Por que quenianos ganham maratonas e jamaicanos os 100 metros rasos?

Basicamente genética e cultura. Vamos ver mais dos dois motivos abaixo. Evidentemente, outros países tem grandes resultados nessas provas. Etíopes se saem igualmente bem em maratonas, um italiano venceu os 100 metros rasos nas últimas olimpíadas e para muitos o americano Carl Lewis foi o melhor atleta que já existiu. Porém, jamaicanos e quenianos não ganharam essa fama a toa.

Genética.

Há basicamente dois tipos de fibras musculares, uma delas fornece velocidade e outra resistência física. Jamaicanos e quenianos tem grandes quantidades em um desses tipos. No caso jamaicano, 75% da população como um todo tem potencial para ser um atleta de alto nível, por possuir um gene específico que aumenta a explosão muscular e ter essas fibras musculares de contração rápida, a que fornece velocidade. Nos 100 metros a questão genética é muito relevante. Um corredor usualmente não ganha mais do que 6% de performance em sua carreira toda; o que leva muitos treinadores a dizerem que não se formam corredores, apenas se descobre. Em 10 segundos isso seria o equivalente a apenas seis décimos. A diferença entre o vencedor e o último colocado na final dos 100 metros rasos nas Olímpiadas de 2016 foi de apenas 2,5%, ou 26 centésimos de segundo. É o tempo médio que demora para uma pessoa comum reagir após ouvir um barulho como um tiro ou latido de cachorro. 

Quenianos possuem mais da fibra muscular que favorece a resistência física. Também têm outra vantagem, a altitude. Morar muito acima do nível do mar faz com que o número de glóbulos vermelhos aumente muito, o que permite maior capacidade de transporte de oxigênio. Nadadores americanos treinam na altitude por esse mesmo motivo. Corpos quenianos tem tronco curto, quadris e pernas estreitas, além de pernas longas e temperatura corporal menor.  Alguém que passa muito tempo na academia vai acabar ficando muito musculoso pra maratona. Tanto quenianos como etíopes suam menos que a média mundial, o que facilita a correr longas distâncias sem perda de desempenho. Como 
são várias vantagens genéticas juntas, ainda não foi encontrado o "gene queniano", ao contrário do gene jamaicano.

"Treinei 4 anos para correr 9 segundos. Tem gente que não vê resultados em dois meses e desiste."
Usain Bolt
Cultura

A questão genética não pertence apenas a esses dois países. Um país que teve tantos escravos africanos como o Brasil com certeza tem muitas pessoas que poderiam fazer sucesso nos jogos olímpicos. Porém, todo jovem rápido logo se torna um jogador de futebol. Roberto Carlos, lateral da Copa de 2002, fazia 100 metros em 10,6 segundos. Com os 6% a menos de tempo que poderia ter com o treinamento olímpico, talvez ele fosse o primeiro sul-americano a correr abaixo dos 10 segundos. Os jamaicanos correm desde sempre, se treina desde criança. Os jogos escolares do atletismo tem grande audiência e já revelou grandes talentos. Há centros de treinamentos em todo o país, se procura pelos talentos em todas as escolas. Os grandes corredores são muito famosos e se considera as corridas como um esporte nacional. Bolt já quis ser jogador de críquete e futebol, mas sempre soube que seu talento estaria nas pistas.

É muito barato se fazer um campeão mundial de maratona ou dos cem metros rasos. Enquanto futebol exige traves e bola, mas ainda assim é barato, os corredores não precisam sequer disso. Em 1960, nas Olimpíadas de Roma, Abebe Bikila venceu a maratona descalço, dizendo que apenas correu do modo como sempre treinou. Foi o primeiro africano negro a ser vencedor de um ouro olímpico. Negros já haviam vencido, e africanos brancos também.  Após sua vitória, outros passaram a ver o esporte como uma oportunidade de ascenção social e financeira, oportunidade rara para muitos quenianos. Abebe porém é etíope, país vizinho dos quenianos, porém também de grande sucesso nas maratonas. 

Apesar do treinamento não ter tantos resultados, o equipamento faz. Jesse Owens, campeão olímpico em 1936, não conseguiria hoje sequer ir para as finais das Olimpíadas. Porém, considerando-se as vantagens atuais dos calçados, blocos de largada e pistas modernas sendo passadas para eles, chegaria em um tempo próximo ao de Usain Bolt, o único tricampeão. Não é sem motivo que muitos dos EUA tem sucesso com seus corredores, como Carl Lewis, vencedor dos 100,200 e 4x100 metros em 1988. Porém, mesmo ele não conseguiria o bronze em 2016, uma outra demonstração de como a tecnologia ajuda os atletas. Os EUA possuem muitos descendentes de africanos, tecnologia e uma cultura esportiva muito forte, com atletas escolares e universitários, ou seja, treinando desde a infância. Coisas que nós não possuímos no Brasil.

Emil Zatopek, corredor checo, foi o único a vencer em uma Olimpíada os 5 e 10 mil metros, além da maratona, que ele disputou pela primeira vez na própria Olimpíada. Também venceu uma São Silvestre, em 1953. Nenhum queniano igualou, apesar de terem bons resultados nessas distâncias. Bolt já ganhou 9 ouros, em 3 olimpíadas seguidas, nos 100 e 200 metros rasos, além do revezamento de 4x100 metros.  Depois perdeu o ouro de um revezamento por conta de um colega de equipe estar dopado na prova. Porém, Bolt nunca ganhou medalha no salto em distância, como Carl Lewis, que foi tetracampeão olímpico na modalidade. Isso mostra como a cultura faz diferença. Um atleta como ele poderia igualar o recorde de 4 medalhas de ouro no atletismo masculino em uma mesma Olimpíada, que Lewis e Owens compartilham.

Recordes masculinos no atletismo em distâncias olímpicas

As provas de 100 e 200 metros são consideradas de velocidade. As de mais de 800 metros de resistência, sendo a de 400 metros a de transição.Note que todos os recordes de velocidade são jamaicanos. Também, os acima de 800 metros são todos quenianos ou etíopes, com exceção do de 1500 metros. Nas provas femininas a situação é parecida.

Fonte das imagens: Wikipedia, com modificação e http://www.statpop.com.br/2019/04/os-tempos-recorde-de-usain-bolt-e-o.html , respectivamente

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